Impor
limites e educar pessoas em desenvolvimento é uma missão naturalmente
conflituosa. Além disto, a transição da infância para a adolescência é marcada
por um confronto natural com os adultos e a sociedade. O professor deve estar
preparado para lidar com estas situações.
1. Atitudes de risco.
Alguns comportamentos do professor
podem originar conflitos na escola. Situações duvidosas ou atitudes de má
aparência podem abalar a credibilidade do educador. Vamos analisar a seguir
algumas situações comuns na escola que devem ser melhor refletidas.
a) Proximidade física ou intimidade com
alunos.
É natural que professor e aluno tenham
proximidade física e carinho mútuo. Isto é benéfico para a educação. Porém, o
educador não deve se exceder. Aluno sentar no colo de professor, abraços
intensos e demorados, toques no corpo do aluno, entre outras atitudes, podem
levantar suspeitas das pessoas, inclusive da família do aluno. Além disto,
crianças e adolescentes podem confundir o real significado desta proximidade
física.
O professor deve evitar ficar sozinho
com um aluno em sala de aula ou local isolado. Se isto ocorrer, a proximidade
física deve ser evitada ao máximo. Imagine alguém entrar na sala de aula e ver
o professor abraçando aluna. Ainda que seja o final de um cumprimento social, a
impressão será de algo suspeito.
Professor não deve manter
relacionamento íntimo com aluno. Infelizmente, este fato tem se tornado
frequente em escolas. É bom esclarecer que qualquer intimidade com aluno menor
de 14 anos de idade é crime, mesmo sem relação sexual. Ainda que o aluno ou
aluna seja maior de 18 anos e consinta em ter intimidade com professor ou
professora, isto é absolutamente desaconselhável, pois gera perda de autoridade
e confiança nos educadores. Afinal, se quem deve educar tem desejo sexual pelos
educandos, a Educação é desmoralizada.
Caso real – Certa vez, fui convidado a
palestrar em uma escola de ensino médio, e a diretora me fez o seguinte pedido:
“Dr. Schelb, por favor, convença os professores a não transarem com alunas,
pois estamos com nossa autoridade muito abalada em função disto.”
b) Fatos da intimidade dos alunos (e
famílias).
O professor deve manter sigilo de todas
as informações sobre a intimidade do aluno e sua família. Apenas as pessoas que
tiverem autorização legal poderão conhecer os fatos. A revelação da intimidade
de aluno (ou de sua família) a terceiros, pode configurar crime1.
Caso real – Desconfiando que a aluna estava sendo
vítima de abusos sexuais, a professora comentou sobre o fato em reunião com
outros professores, expondo indevidamente a intimidade da adolescente. As
informações chegaram ao conhecimento dos demais alunos, que começaram a
humilhar a colega.
Informações que aluno trouxer à direção
ou a professores sobre atos de indisciplina (e crimes também) na escola, também
devem ser cuidadosamente mantidas em segredo.
Caso real – A aluna revelou ao professor
que uma quadrilha de alunos traficantes agia na escola. O líder era um colega
de sala, pessoa violenta e perigosa. Em reunião de coordenação, o professor
revelou a várias pessoas o nome da aluna que lhe forneceu as informações sobre
o ilícito. Ela teve que se transferir para outra escola.
A atitude do
professor foi equivocada, e revela grave negligência com a proteção de alunos
que cooperam com a escola.
c) Piadas e linguagem relaxada
O professor deve
refletir muito antes de dar apelido ou fazer piadas sobre um aluno ou seus
familiares. Várias circunstâncias podem levar os colegas a perseguir ou
humilhar o aluno em razão desta atitude do educador.
Caso real – A professora
elogiava o melhor aluno da sala com o carinhoso apelido de “cabeção”. Os
colegas começaram a fazer chacota dele com o apelido, humilhando-o
profundamente. Para a educadora o apelido estava associado à inteligência e
méritos do aluno, para seus colegas, a uma deformidade física.
Elogios em excesso
também podem prejudicar. Quando um professor elogia muito um determinado aluno,
os demais estudantes podem ficar enciumados. Além disto, podem querer agredir o
aluno como forma de atingir o professor. Isto ocorre com muita frequência em
locais de reunião coletiva (prisões, etc.).
Caso real – O
funcionário da Procuradoria da República foi condenado pela prática de
homicídio. Recolhido à penitenciária, sua esposa me procurou, pedindo para que
eu fosse visitá-lo. Não atendi ao pedido por uma razão bem prática: “no momento
em que os demais presos soubessem que ele conhecia uma autoridade, passariam a
persegui-lo ferozmente.
É muito importante
refletir também sobre comentários em linguagem relaxada. Desabafos emocionais,
ainda que apenas entre colegas de trabalho, não são aconselháveis. No futuro,
alguém pode se aproveitar destas palavras ditas em momentos emotivos para
prejudicar o professor.
Caso real – Em
um momento de desabafo, a professora disse a um colega da escola, “ah! Que
vontade eu tinha de esganar este aluno folgado”. Não era sério, mas uma forma
de expressar a indignação diante do comportamento indisciplinado do aluno.
Meses depois, convocado para depor em processo legal, o professor declarou haver
presenciado a professora dizer que “tinha vontade de esganar o aluno”, sem
contextualizar as circunstâncias em que a frase foi dita. A impressão que ficou
é que a professora realmente tinha a intenção de fazer mal ao aluno, o que não
era verdade.
Até mesmo a forma
de tratar os colegas deve ser refletida. Há brincadeiras ou comentários que
podem gerar muitas controvérsias.
Caso real – A
professora processou a diretora da escola, alegando humilhação e preconceito
racial. De fato, comprovou-se que a diretora chamou a educadora de “macaca”,
durante uma reunião de professores. Não se sabe ao certo, a verdade, pois a
diretora afirmou que sempre a chamava assim, mas sem nenhum preconceito, apenas
como uma forma íntima de tratamento. Não adiantou, a justiça a condenou a pagar
indenização por danos morais.
2. Conflitos na escola
Os conflitos na
escola ocorrem basicamente entre professores, alunos e famílias.
a) Conflitos com alunos
Já abordamos uma parte deste tema ao
tratar das atitudes impróprias dos educadores. Agora vamos analisar o principal
tema gerador de conflitos entre professores e alunos: as correções
disciplinares.
Nem tudo o que desagrada o professor é
indisciplina. É necessário estar preparado para lidar com o juízo crítico de
alunos. Infelizmente, muitos educadores não aceitam que seus alunos o
questionem ou pensem diferente, e punem como indisciplina os que ousarem
discordar.
A correção disciplinar é dirigida ao
aluno que praticou o ato indevido, mas ele jamais deve ser qualificado pela
indisciplina que praticou. Explico. Se um adolescente praticou furto na escola,
deve ser orientado e punido pelo ilícito, mas jamais chamado de ladrão. Se
mentiu, deve ser advertido pelo ato, jamais chamado de mentiroso. Se é
desinteressado nos estudos, deve ser conscientizado sobre sua atitude de preguiça,
jamais chamado de preguiçoso. E assim por diante. Não é um jogo de palavras,
pois assim agindo, concedemos uma chance ao aluno para o arrependimento e a
transformação. Já ao chamá-lo de mentiroso, ladrão ou preguiçoso, dificultamos
a reflexão e o estigmatizamos.
Sempre que possível, advertências
disciplinares mais intensas devem ser feitas em particular. Há comentários que
são legítimos se o professor os fizer em particular ao aluno, mas, ao fazê-los
em público, constituem humilhação.
Caso real – Durante uma discussão
em sala de aula, a professora disse ao aluno: “Você devia ser homem para
assumir o que faz!”. Revoltado com a humilhação pública, o adolescente agrediu
fisicamente a professora.
É relevante considerar a ‘influência da
multidão’2. Tudo o que se fala em público
ganha uma dimensão maior. Quando houver um conflito em sala de aula ou em local
com aglomeração de alunos, é necessário isolar os exaltados dos demais membros
do grupo, para evitar que todos se tornem agressivos.
Ao corrigir, é sempre melhor utilizar
palavras brandas. É fundamental evitar o grito na escola. O grito é antessala
da violência, pois gera uma alteração negativa de humor, especialmente a quem é
dirigido. Professores (e pais) devem refletir sobre a frequência com que gritam
com seus alunos (e filhos). Se o grito é resultante da perda do controle
emocional (impaciência, raiva), devem mudar de atitude. É abuso moral a prática
de gritos intensos com aluno.
É claro que há momentos em que o grito
é necessário e pedagógico. Neste caso, deve-se evitar ao máximo fazê-lo em
público, ou na presença de terceiros. Em sala de aula, se o professor for
repreender aluno, jamais deve gritar. Aproxime-se do aluno e o discipline. A
repreensão em público em si já constrange. O grito pode humilhar ou gerar
reações emocionais e agressivas.
Neste contexto, é necessário refletir
sobre a comunicação com crianças e adolescentes. A experiência revela que é
mais importante dar atenção ao que a criança quis dizer do que às palavras
proferidas por ela. Por isto, ainda que seja claro o que foi dito, é
fundamental insistir com a criança para que explique sua intenção. Por exemplo,
se uma criança diz “Professora, você é uma vaca”, é crucial que a educadora
pergunte a ela “O que você quer dizer com isto?” Pode ser que a aluna
explique “amo as vaquinhas e amo você também.”. Embora o exemplo seja fictício,
é surpreendente como as pessoas podem se expressar mal, inclusive crianças e
adolescentes.
Explicar
exaustivamente a medida disciplinar é muito importante também. Crianças e
adolescentes, como qualquer ser humano, são muito sensíveis à injustiça. Se
realmente praticaram o mal do qual estão sendo acusados, não se revoltam com as
medidas disciplinares, ainda que exageradas. Mas, se a punição é entendida como
injusta, ainda que seja uma advertência verbal, ficam profundamente revoltados.
Por isto, é muito importante deixar bem claro as regras, e ao aplicar uma
punição reafirmar o conteúdo da regra violada, estimulando o aluno a
relembrá-la e compreendê-la.
Caso real – Em
entrevistas com adolescentes violentos internados, é comum ver mais revolta com
injustiças sofridas (não foram ouvidos, foram punidos por algo que não
fizeram, etc.) do que com punições severas que sofreram.
Aos policiais
ensino o seguinte: “Você pode prender o autor de crimes e ele nunca mais se
lembrar de você, ainda que seja condenado a muitos anos de prisão. Mas, se der
um tapa na cara dele, ele nunca mais vai esquecer de você.”
O mesmo se aplica a
professores: “Você pode aplicar uma medida disciplinar rigorosa ao aluno, e ele
não se revoltar. Mas se humilhá-lo ou for injusto, ele nunca mais vai esquecer
de você.” Devemos nos recordar do maior atleta olímpico, Michael Phelps.
Ganhador de dezenas de medalhas olímpicas, concedeu uma entrevista coletiva ao
final dos jogos olímpicos de Pequim (2008). Lembrando-se dos tempos de escola,
chamou pelo nome a professora e disse: “Não sei onde você está, mas com certeza
você sabe onde estou. Eu queria dizer, que você estava errada quando disse que
eu não ia dar em nada!!!”
b) Conflitos com
famílias
Lidar com famílias de alunos é sempre
algo complexo. Em rigor, não seria exagero dizer que o professor está lidando
com ‘material explosivo’. O humor volátil, as brigas familiares, as declarações
do aluno, etc. podem repercutir intensamente no relacionamento com o professor.
Imagine a seguinte situação hipotética:
o aluno chega em casa chorando e diz ao pai que “o professor me deu um tapa na
cara”. Reflita um pouco. Como você acha que este pai vai reagir? (Como você
reagiria se fosse o pai ou mãe?) É quase certo que vai ficar muito bravo! Mas o
fato é que o filho está dizendo algo que pode ou não ser verdade. A tendência
natural das pessoas será dar crédito ao filho, sem sequer ouvir o professor.
Isto é injusto, mas um fato cotidiano nas escolas. Denomino este fenômeno de embriaguez
emocional, pois o pai ou mãe submetido a esta situação imediatamente é
entorpecido e suas emoções se tornam quase incontroláveis. Por este motivo, uma
orientação básica para os professores em conflitos com famílias é identificar quando
está lidando com ‘embriagados’. Se houver, o ideal é não conversar diretamente
com estas pessoas, mas, chamar alguém para intermediar o diálogo.
O professor deve evitar ao máximo falar
mal da família para o aluno. Me refiro aqui a qualquer comentário negativo,
ainda que pertinente e justo. Se houver problemas com a família do estudante, o
professor deve falar diretamente com o pai ou mãe, mas longe dos olhos e
ouvidos do filho. O aluno pode perder o respeito pelos pais, que ficarão
enfraquecidos na disciplina e orientação dos filhos.
Importante, quando
receber elogios de aluno ou família, peça para que enviem o cumprimento por
escrito (e-mail). É muito bom registrar também os elogios.
Caso real – O
professor foi acusado de abuso físico contra aluna. Na verdade, por um mal
entendido, os pais foram levados a crer que o professor havia segurado a aluna
pelos braços com excessiva força, e o acusaram de agressão física. Ao final do
julgamento o Juiz absolveu o professor dizendo: “Milita em favor do educador o
grande número de elogios e cumprimentos de alunos e familiares que o professor
trouxe ao processo, demonstrando sua excelente conduta profissional.”
c) Conflitos entre
professores
O convívio entre
professores nem sempre é harmônico. Questões pessoais, políticas e até
sindicais podem gerar muitos conflitos. É importante preservar os alunos destas
situações de animosidade interna, sob pena de perda de autoridade para todos na
escola.
Qualquer projeto de
redução de violência ou conflitos na escola deve ter como pressuposto o
apaziguamento dos conflitos entre professores, pois sem unidade não é possível
combater adversários!
3. Conclusão
Apresento a seguir
princípios e regras importantes para o professor ao lidar com conflitos na
escola:
· Somente converse temas sensíveis com a família de aluno em reunião agendada e em local reservado. Muitos familiares abordam professores em sala de aula para tratar de assuntos da intimidade do aluno ou da família. Isto deve ser evitado. Assuntos sensíveis merecem um local reservado para conversar.
· Antes de repreender, procure perceber o estado emocional do aluno e da família. É fundamental conhecer o estado emocional das pessoas com quem conversamos, especialmente quando há necessidade de correção disciplinar.
· Ao receber solicitações extravagantes, solicite que a família o faça por escrito. No mínimo, metade deles vai desistir. Para os demais, você vai ganhar mais tempo para pensar o que fazer!!
· Não ameace exercer seus direitos a alguém. Ao lidar com pessoas negligentes com seus deveres, não tente influenciá-las a agir corretamente por meio de ameaça de medidas legais cabíveis. As pessoas podem reagir precipitada e emocionalmente.
· Se você for ameaçado ou agredido em razão de sua função de educador, jamais busque sozinho sua defesa. Solicite à direção da escola tomar as providências. Caso a instituição escolar não o faça, encaminhe solicitação de providências por escrito, lembrando que a proteção dos professores é função da escola e seus dirigentes, sob pena de responsabilidade civil (danos morais) e penal.
Código Penal, art. 154 – Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem. Pena de até 1 ano de prisão ou multa.
· Antes de repreender, procure perceber o estado emocional do aluno e da família. É fundamental conhecer o estado emocional das pessoas com quem conversamos, especialmente quando há necessidade de correção disciplinar.
· Ao receber solicitações extravagantes, solicite que a família o faça por escrito. No mínimo, metade deles vai desistir. Para os demais, você vai ganhar mais tempo para pensar o que fazer!!
· Não ameace exercer seus direitos a alguém. Ao lidar com pessoas negligentes com seus deveres, não tente influenciá-las a agir corretamente por meio de ameaça de medidas legais cabíveis. As pessoas podem reagir precipitada e emocionalmente.
· Se você for ameaçado ou agredido em razão de sua função de educador, jamais busque sozinho sua defesa. Solicite à direção da escola tomar as providências. Caso a instituição escolar não o faça, encaminhe solicitação de providências por escrito, lembrando que a proteção dos professores é função da escola e seus dirigentes, sob pena de responsabilidade civil (danos morais) e penal.
Código Penal, art. 154 – Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem. Pena de até 1 ano de prisão ou multa.
Fonte: programaproteger.com.br
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